quarta-feira, 13 de junho de 2012

Havia um quarto por cima ,ao qual dávamos nome de soalho por não ser de terra batida mas de tábuas(...)Uma janela de alcapão, porque deixara há muito de funcionar, separava-me dessas noites frias e ermas. A ferrugem soldara-lhe em definitivo as dobradiças, e eu via toneladas de nuvens rasando essa janela barrenta, oxidada nos eixos já carcomidos. Lembro-me de às vezes ficar ali a contar nuvens e a imaginar-lhe as formas de coisas conhecidas. Umas pareciam-me com vacas deitadas nos pastos, por causa das patas flectidas e das cabeçorras obliquas. Outras muitas maiores eram casas navegantes ou navios encalhados, talvez mesmos mapas que iam fundir-se noutos mapas e formavam países fantasmas- numa espécie de dança, voo planado ou arraial sem ruídos. Se fosse hoje com o meu conhecimento do mundo, diria das nuvens desse tempo que seriam castelos, grandes mountains arrastando-se de norte para sul, ou rostos históricos que se mirassem não sem em que águas, mas decerto nos espelhos de ar que a gente espreita dentro dos aviões
João de Melo, Gente feliz com Lágriams

2 comentários:

mfc disse...

Havia nas nossas casas um lugar onde o sonho era permitido e onde era fácil sonhar-se...

Ana Rute Oliveira Cavaco disse...

gosto muito desse livro!