A minha janela, aos 19 anosEu espreitava o limoeiro, a sua copalarga ocupando o quintal que a minhaavó fechava à chave quando saía (porcausa das galinhas). Para trás do muro,só havia telhados de zinco, portões comferrugem, traseiras de prédios com roupaestendida, armazéns, carros ao abandonoe gritos no crepúsculo, das mães aflitaschamando os filhos para jantar. Eu viatudo aquilo, sentado à mesa com umafolha de papel em branco, esperandoo que chega quando não se espera.Às vezes apareciam versos sem norte,palavras vagabundas, para murcharemlogo ali – ecos de ecos. E eu olhava océu, as nuvens perfeitas, o vento emturbilhão através do quintal, aquelelimoeiro com melros nos ramos efrutos acesos na tarde como sóis.É tão difícil de esquecer, a melancolia.José Mário Silva, in apeadeiro - revista de atitudes literárias ,1 primavera 2001, edições quasi(espero que não se importe que o 1º texto deste blog seja seu)